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sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Vida e morte de uma lei

Vemos hoje a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) agonizante num terrível e sofrível leito sepulcral. Sua decadência iniciou-se nos idos de 1988 quando da promulgação da Constituição Federal de cunho eminentemente liberalista democrático. Desde então a sintomática fatal permeava a famigerada lei. Juristas de toda ordem questionavam seus dispositivos rígidos e a colocavam à guisa de mortalha.

Agora, o Supremo Tribunal Federal suspendeu vários dispositivos seus. É como se o câncer estivesse no seu alastramento final sobre as partes vitais da Lei de Imprensa. Seu túmulo já está cavado e uma lápide já é esculpida: “Aqui jaz um lastimável parto da ditadura. Vai tarde!”
Precisamos, pois rememorar o seu surgimento. Seu pai. Sua mãe. Sua parteira. Tudo para dar fundamento à clave de morte fincada certeiramente em sua final existência.

Em 31 de março de 1964 o Brasil sofre o Golpe Militar e fica sob a direção do Marechal cearense Humberto de Alencar Castelo Branco. Autor de obras maquiavélicas, escreveu alguns ensaios de grande importância histórica dos quais destaco: A Doutrina Militar Brasileira, A Estratégia Militar, A Guerra, O Poder Nacional. Toda esta literatura de cunho total e absolutamente duro e repressor.

Tão logo assume o poder impõe o Ato Instituciuonal Número Um que dissolve o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), as ligas camponesas e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Algumas das principais lideranças pró-comunismo do país foram presas e enquadradas em Inquérito Policial Militar (IPM). Também empresários foram investigados. Foi o caso dos donos da Panair do Brasil, a maior companhia aérea do país, que teve a sua licença para voar cassada e o patrimônio temporariamente confiscado porque o grupo acionário era ligado a líderes comunistas.

Seus objetivos deveriam ser conseguidos à mão de ferro. Vejam este trecho de um ensaio de Castelo Branco intitulado A Guerra: “...Forças Armadas não fazem democracia. Mas garantem-na. Não é possível haver democracia sem Forças Armadas que a garantam. Daí, dizer Forças Armadas democráticas. Como é isto, então? Sim. Entra na sua doutrinação o fim de defender as instituições democráticas ( ... ). Muita gente diz que as Forças Armadas são democráticas quando há militares políticos e que conhecem a máquina de conduzir o Estado. Os generais aprendem isso para melhor situarem-se no cumprimento da destinação das Forças Armadas.”

Assim sendo, dentre várias modificações legais visando dar sustentação ao novo regime que se instalava no Brasil sob a égide militar sentiu a necessidade de calar a imprensa que muito ‘perturbava’ o bom andamento de sua revolução. Fez-se, pois, o Ato Institucional Número Dois e criou o Sistema Nacional de Informações – SNI que seria o equivalente à CIA ou KGB tupiniquim.

Muitas bocas foram lacradas nos canos de fuzis e metralhadoras. As falas das ruas eram silenciadas nos porões dos quartéis. Mas a imprensa à época era uma ‘peste’ que deveria ser dizimada de forma mais ágil e no rigor da lei. Segundo historiadores, a lei de imprensa baseou-se no texto Estratégia Militar do mesmo Castelo Branco onde o controle da mídia é fundamental à manutenção do poder fardado. Dentro das várias estratégias militares inclui-se a difusão tão somente de noticiário favorável e dignificador do generalato que esteja no poder. A imprensa deve ser orientada a manter a população informada tão somente de fatos que interessem ao governo militar e não promova a ‘perturbação’ das mentes com idéias ‘nocivas’ ao governo.

Mas não podendo colocar um militar em cada redação de jornal em cada estúdio de TV e nas cabinas de rádio, necessário foi um aparato para que de forma generalizada coibisse estes atos. A solução foi a edição da lei 5.250 no ano de 1967 às vésperas da saída de Castelo Branco do poder, mas no fito de dar sustentação à governabilidade dos generais sucessores de seu mando militar.

Neste contexto nasce a Lei de Imprensa, nasce uma aberração jurídica tirana com cunho de servilismo exclusivo ao desmando militar. Nasceu um monstro que vem sendo atacado por 20 anos (desde a constituição de 1988) e ainda seus gemidos são ouvidos nos tribunais.

Muito este dragão avassalou a liberdade de expressão no Brasil. Esta lei facínora muito contribuiu para o silêncio de grandes genialidades e divulgação de célebres ideais nacionalistas e propulsores da verdadeira democracia.

Agora míngua desfalecida em seu último leito (STF) à espera da morte. Minguada sob as liminares que lhe tiram a vitalidade. A revogação é certa, desejada. Uma batalha vencida em prol da república democrática do Brasil.

Sua morte não derramará sangue. Será apenas mais uma revogação de lei. Mas não devemos esquecer que esta Lei fez muito sangue ser derramado e muitas lágrimas regarem o chão brasileiro.